Por Francisco Gírio, in Dinheiro Vivo
Em 14 de agosto de 1912 o jornal
neozelandês “The Rodney & Otamatea Times” publicou um artigo intitulado “o
consumo de carvão afeta o clima”, que referia que os fornos a carvão em todo o
Mundo queimavam anualmente 2 mil milhões de toneladas de carvão emitindo 7 mil
milhões de toneladas de CO2 para a atmosfera. O artigo concluía que “isto torna
a atmosfera num cobertor da Terra e provoca o aumento da temperatura. Este
efeito será considerável dentro de alguns séculos”. Cento e sete anos depois, o
consumo mundial de carvão ultrapassou as 5,3 mil milhões de toneladas. Em
Portugal, foi anunciado que iremos antecipar o fecho das nossas centrais
elétricas a carvão, Pego e Sines, respetivamente para 2021 e 2023. É uma boa
noticia. A má noticia é que ainda hoje, subsidiamos com os nossos impostos
todas as fontes fósseis para produção de energia, incluindo o carvão. Ou seja,
continuamos a não fazer tudo para que as energias renováveis sejam custo-eficaz
mais competitivas que os combustíveis fósseis. Sendo hoje consensual o estado
de emergência climática em que vivemos e que urge tomar medidas para evitar o
aquecimento global, é um autentico paradoxo a forma como utilizamos a biomassa.
No passado recente as políticas públicas
sempre promoveram o uso da biomassa pela sua forma mais fácil, mas também a
mais errada, em particular pela queima em centrais a combustão caraterizadas
por eficiência elétrica baixa e responsáveis pelo retorno à atmosfera de cerca
de 70% do CO2 armazenado nas plantas e florestas. O aproveitamento
de calor é residual apenas ocorre onde existem unidades industriais
consumidores de energia térmica. Uma forma muito mais eficiente de se utilizar
a biomassa com uma eficiência muito superior é a produção de biogás a partir de
resíduos orgânicos e sua purificação em biometano que depois de concentrado ou
liquefeito é um gás 100% renovável que pode ser armazenado de forma imediata na
rede de gás natural contribuindo para a sua descarbonização, ou distribuído em
postos de combustíveis para a rodovia ou marítimo. Se associado a este processo
ocorrer o sequestro do CO2 libertado durante a obtenção do biometano
e e armazenamento (ex. em gruta ou formação geológica adequada), este
biocombustível gasoso possuirá um balanço negativo de emissões de CO2.
O mesmo pode acontecer no projeto de hidrogénio verde anunciado para Sines,
desde que ocorra a sua metanação em biometano ou noutro combustível renovável
líquido. Afinal os biocombustíveis possuem um potencial muito superior à
mobilidade elétrica, porquanto esta, no limite e no futuro ainda bastante
longínquo, pode apenas almejar a neutralidade carbónica enquanto os primeiros,
podem no imediato atingi-la ou ultrapassá-la.
Francisco Gírio, Coordenador da Unidade
de Bioenergia, Laboratório Nacional de Energia e Geologia (LNEG)
Pode consultar o artigo em: https://www.dinheirovivo.pt/opiniao/o-paradoxo-da-biomassa-em-portugal/
28-11-2024